Além de frases e dicas literárias publicadas na página do Facebook, somos apaixonados e apaixonadas pela escrita com idades, trajetórias e expectativas diferentes que, separadamente, registramos nossos devaneios. Se quiser fazer parte, envie para nós seu texto (oficinacompartilhada@gmail.com)! Os que forem escolhidos pelo grupo serão divulgados aqui na Oficina Compartilhada.

Aproveite o espaço SEM moderação!

Bem-vindos e Bem-vindas!! Saravá!

sábado, 30 de julho de 2011

Mais do mesmo

Cláudia acabara de obter o doutorado em literatura quando conheceu Fernando, que pela terceira vez tentava ingressar no mestrado, também em literatura. Foi na comemoração do novo título da promissora doutora que ocorreu o primeiro encontro, e o fato de terem um amigo de um amigo em comum selava a coincidência; ela comemorava, enquanto ele afogava a decepção de mais uma reprovação. Cláudia o achou engraçado, embora nunca pudesse acreditar que a paixão por uma pessoa como Fernando fosse capaz de aflorar em si. Ele não era o tipo de homem que lhe agradava: um pouco baixo, pele morena e barriga saliente; contudo, o ar decidido e confiante que envolvia suas palavras foram os olhos verdes que não ele tinha para chamar sua atenção. “Não Claudinha, como pode você achar que é uma questão tão simples” e continuava por quase meia hora demonstrando a ela o que estava ‘errado’ em seu raciocínio. Ela, por sua vez, prestava a atenção em cada palavra, em cada fonema, e uma espécie de hipnose sustentada pela cadência formada frase após frase a prendia: a começar pelos ouvidos, passando aos olhos, e por fim tomando todo seu corpo. Terminada a festa, ele pediu seu telefone, ela, queria seu email. Combinaram de sair algumas vezes, e a hipnose, com o tempo ganhou outro nome: admiração.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

A Herança

Sem perceber, vivia a sua vida pelos outros. Pelo o que os outros haviam designado como o melhor. A saúde, o trabalho, o amor, ah!, o amor. Já não sabia muito bem quando nem como estas idéias estavam enraizadas nos seus sentimentos. Lembrou-se de quando era pequena e as mulheres da família se reuniam na mesa de madeira maciça da cozinha de bronze. As crianças não tinham fala. E as mulheres de voz grande gargalhavam e se atropelavam em gestos exagerados. Só, lhe davam o prazer da companhia na comida partilhada. E comia, e comia.

Havia anos que não começava nada de novo. Nada que realmente mudasse o seu jeito de pensar. Acordava cedo, tomava o suco de laranja, ia à pé ao trabalho - que por sorte ficava a cinco quadras de sua casa - de onde voltava para almoçar, sem gastar dinheiro com o tempero dos outros. Suas noites variavam entre filmes, livros e a companhia de um ou dois amigos que na visita levavam a garrafa de vinho: dois dedinhos eram suficientes para um riso solto. A espera de um ciclo novo estava no fardo, a mãe, debilitada por tantos anos de uso da vida. Apesar de não ter convivido com ela durante a infância ou a adolescência, foi aos 35 anos que passou a habitar com ela, nela.

O dinheiro não trazia conforto. Ainda mais depois que ele a trocou por uma moça de poucos modos, pouca rotina e pouco amor. Sabia que ele chorava pela moça, mesmo quando estavam juntos em conchinha na cama. Achava que eram suas aquelas lágrimas ardidas no lençol que dividiam. Achava também que suas lágrimas eram dele. Mas sabia, sempre foram suas. Então, a mãe doente precisava de uma enfermeira e o amor de um amor. Foi ele que deixou ela.

Não sabia que a mãe tinha uma poupança, deixada por um general que havia desviado muito dinheiro quando trabalhara no governo. Ele era casado, a mãe também, mas o pai ainda a recebia nos almoços de domingo e no fim dos seus sonhos. Já se passaram 5 anos e a mãe estava na UTI - poupando para os bolsos dos médicos.

Algumas pessoas quando morrem levam o que tem de mais valioso: um pouco de incenso, uma boneca de pano ou um anel de rubi. Quando foi que a inveja dos outros estabeleceu a herança? Ou seria um misto de cobiça do vivo que se dissipa em inveja na sua morte? Lembrou que quando o pai morreu, o novo irmão levou todos os móveis da casa enquanto ela preparava o funeral. Lhe restou um pinico de porcelana e o porta-retrato amarelado com a foto do primeiro casamento. Anos e anos de nada de novo. Era a falência.

Confuso Horário

Rolava na cama e nada. Ficou com fome e resolveu comer duas bolachas salgadas com requeijão e uma fatia fina de peito de peru defumado. Já era tarde, mas com o estômago reclamando não tinha jeito, não conseguiria dormir.

O exílio voluntário permitiu que ela se conhecesse melhor. Já não mais se incomodava com os longos dias consigo mesma. Mas com as noites sim... Já havia tentado de tudo, mas o quentinho do corpo do homem acamado fazia uma falta danada.

Rolava e nada... Vinham ideias na cabeça e ela acendia a luz de cabeceira para tomar notas. Fragmentos de contos, as bonequinhas do livro infantil, a consultoria sobre redes sociais, a estrutura do livro burocrático e até a assessoria política... Tudo girava e só não era pior do que enjôo de birita. “Saco!”, esbravejava em voz alta.

Acordava e tinha uma rotina boa: água, leitura, café, escrita, cozinha, escrita, lanche-almoço, leitura, exercícios, caminhada boa, lerê, lerê, banho, vinhozinho, leitura, escrita e, finalmente, beijo melado... Embora detestasse rotina, essa era a melhor delas.

Nada... E quando eram assim as noites mal dormidas, afogava-se num copo cheio de fantasias e deixava a madrugada tomar conta de seus devaneios até que conseguisse dormir.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Ser ou não, ser, eis a questão!

O que fazer quando a inspiração nos abandona? Sentar e esperar ou suar para criar? Olhar a folha em branco, não saber se ela é amiga, inimiga; se devemos confrontar ou acalentá-la. A questão Hamletiana assalta Henrique todos os dias: ser ou não ser?, eis a questão. Horas a fio ele pensa, desiste, retoma, escreve, rasga, esboça, escrevinha - é feio -, mas é feito. No fim, prefere colocar uma virgula, na frase, e na vida: ser ou não, ser, e ponto final.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Em resposta: Manifesto alguma beleza

Porque só há beleza naquilo que me surpreende. Porque sou cria de berço de ouro. Porque o surpreendente pode ser sujo. Porque o surpreendente pode ser tosco. Porque o surpreendente pode ser a paralisação. Porque o surpreendente é o não agir. É o não saber.

Do belo tenho os olhos esbugalhados. O sorriso mal dado. O corpo rígido. O coração acelerado. A mente sem norte. As palavras sem meio. As mãos trepidando. Não acredito em mais nada. Até porque já passou.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Exorcisando

Tudo começou numa implicância de trabalho. A colega de baia tem horror a baratas, HORROR mesmo, e ele comprou umas 200 baratinhas de plástico pra fazer uma brincadeira de mal gosto. Daí em diante o negócio ficou sério. Ela descontou com a ajuda da equipe.

Primeiro, ‘photoshoparam’ a cara do sujeito em garotas peitudas e trogloditas fanfarrões e imprimiram um poster gigante para deixar na parede do escritório. Foi a maior festa. Sacanearam o rapaz a semana toda. E então o pobre coitado saiu de férias e fez a maior burrada ao declarar durante um almoço que o que mais o assustava de verdade eram as garotas possuídas, do tipo O Exorcista, sacou? Se ausentou para gozar de seu tempo livre e deixou o campo aberto pra revanche.

Quando voltou, sua vida laboral virou um cenário de seu maior pesadelo:



The End...


Diálogo universitário

Dois professores universitários em debate sobre  traduções e interpretações textuais:

Marcelo: Você como especialista deveria saber que isto acontece. E sabe muito bem para que temos esse cuidado com as interpretações e os termos em outras línguas.

Carlos: Claro que sei. Para falar tal como Clatão quis dizer e não desvirtuar o texto, porque para traduzir deve-se ter a maior rigidez...quer dizer, o maior rigor; ou, temos essa preocupação toda em escrever todas as palavras gregas e alemãs no quadro para impressionar os alunos?

terça-feira, 12 de julho de 2011

Santana da Barra

Como posso? É egoísmo. Constata Francisca em cada nova situação - mulher livre não é fácil.... de ser. Mas todos confundem o que é ser livre. Confundem liberdade com libertinagem. Queridos, não é bem assim. Nem toda interpretação é uma realidade. A realidade é uma sintonia de loucuras. Só isso. E isso faz acontecer. Não são necessárias palavras e blablablas. Todos sabemos o que são a "aleatoriedade desses algorítmos". 

Senta no táxi. Santana outra vez - não já havia decidido que esse obsoleto não mais faria parte de sua vida? É o que tem. Não tem Tu, vai tu mesmo. Esperar mais tempo na chuva é se molhar e acabar por tornar o estofado de um outro carro em um estofado de um Santana. Pra que fazer isso consigo e com os outros? Tem que se ter consciência social.

A casa demora pra chegar. É como se não pudesse controlar o relógio - do táxi ou do pulso que pulsa no seu próprio tempo? Francisca respeita seu pulso, atrasa o do pulso e desconfia do taxista que aproveita a alta temporada para explorar estrangeiros. "Não é possível que eu seja estrangeira em minha terra" - tanto pode ser que pegou o Santana.

Mas eles continuam circulando. Apesar de todo boicote - sobrevivem da necessidade em um dia de chuva ou de um momento em que todos os cariocas decidem lotar as linhas telefônicas de uma cooperativa. Acabam por não cooperar com o cliente, só entre si. Quantas vezes Francisca foi jogada à sorte de uma imensa ladeira ou de uma madrugada de dedo em riste à espera de um carro que servisse de passagem.

Quem passavam eram eles. Santanas vazios e todos os outros cheios. Foi a falta de paciência - esta em Francisca... não adianta. Voltar ao colo da mãe ou ao abraço do pai contam mais que uma janela que não abre. A paisagem é melhor ao vivo, no passo lento na orla, ou na trilha sonora que observa as nuvens no alto das montanhas a formar a próxima tempestade - tempestade de garoa, conhece? É pior que gota gRossa da copa das árvores... velho ditado, não se vê a floresta quando se esconde nas árvores.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Casamento Americano

E, finalmente, ouço: "I Now Pronounce You Man And Wife."

E... Cadê o beijo?!?!? Não é essa a hora do tão esperado (e meio pornográfico, cheio de línguas, para os audaciosos) beijo em pleno altar?

Não.

Não aconteceu.

E minha cabeça girava de dúvidas ao mesmo tempo em que minha bexiga estourava de vontade de despejar tudo no vaso sanitário. Só existem dois momentos interessantes nos casórios: a entrada da noiva e o tal beijo. Só. O resto é uma balela de tradicional religiosidade que põe qualquer um para dormir. E ainda tem a hora da Eucaristia (eu estudei em colégio de freiras e fiz Primeira Comunhão, então tenho um certo respeito que me faz escrever tudo com letras maiúsculas). Quanta bobagem. Eu lá, doida para aliviar minha vontade de urinar e finalmente começar a esbórnia, e no entanto fazia cara de paisagem e prestava a atenção nas roupas das pessoas. Nas vestimentas das mulheres, basicamente. Cada pérola...

Foi quando finalmente o Padre começou a Comunhão. Os convidados levantavam-se para ingerir aquele miolo de pão grudento, sem fermento, puros de seus pecados, pois provavelmente haviam confessado - e certamente pecaram mais do que nunca naquele mesmo dia, naquele mesmo instante, em seus pensamentos.

Foi quando eu, perplexa em meu ranço Católico Apostólico Romano, observei a fila dos rapazes padrinhos do noivo, todos na faixa dos 30 anos: levantaram-se, um a um, e colocaram na boca aquele pedaço de pão ázimo. O casamento americano é assim: a noiva escolhe somente madrinhas e o noivo, apenas padrinhos. Todos pecadores até o último fio de pentelho e lá estavam, com o Corpo de Cristo grudado nos céus de suas bocas... E eu, que já estava doida para enterrar o último fiapo de culpa católica na cova mais profunda, pensei: when in Rome, do as the Romans do...

sábado, 9 de julho de 2011

O deboche

O deboche sempre me pareceu a arma mais vil, principalmente em época de guerra. Despenca qualquer título, classe; da plebe ao clero, não há uma só pessoa que tenha resistido a ele. O deboche dispensa frases e articulações linguisticas complexas, ele pode se travestir no mais simples dos gestos: o riso. E aí senhor e senhora, não adianta chorar o leite dentro da garrafa, ele está derramado faz tempo - só que lá dentro.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Mito_côndria - DNA Eva no século XXI do calendário gregoriano

Eva sabe ler, escrever, cozinhar peixe, lavar calcinha no box, usar o dicionário T9 para mensagens do celular. É maio de 68, é sufrágio universal, é divórcio, é a pílula anticoncepcional. Com a mercantilização da mulher perfeita, sobraram as loucas de graça. 

Saiu coazamiga e tomou sua sangria com bastante maçã. Também, como não? O útero inchado de inutilizado pede largas doses de álcool e doce - chocolate se possível, mas com bebida nem rola, então vale uma jarra de sangria. Todo mês se esquece de sua dor uterina. Não existe essa história de calejamento para um órgão que sangra com frequência - mais que isso, sangra pelo seu sexo.

Depois de tanto cigarro se olha no espelho, não há nada de errado. A velhice vai chegar, acabou o paraíso da infância. Não consegue nem acreditar no quanto demora para as rugas, são tantos abusos consigo... mas a a garganta dói. Parece até ter nascido um pomo por conta da rigidez do esôfago. E vai... quem faz careta, com o sopro de um anjo, fica desse jeito pra sempre. Eva vive a vida de quem lhe falta.

A queda que sofreu no dia anterior lhe quebrou uma costela. Do lado direito. Deve doer mais àquele que lhe concedeu a sua lateral esquerda. Mas já não importa. Só vai ser chato limpar o vestido branco, ficou cheio de barro. Melhor esperar pelo Darcy, ele sabe alguns truques para lavar roupas, se não der certo pode tingir de negro. Enquanto espera toma seu café e troca a maçã pela geléia de amora.

Um caixão só para a cabeça

Não sei mesmo explicar. Minha cabeça já está tão cheia de coisas que não sei por qual razão me vem essa lembrança de repente: simplesmente acordei com ela na cabeça. Tinha uns 12 anos e não era das mais populares da escola, mas me destacava pela inteligência, pelo sorriso largo e a carinha bonita. Penso que estar acima da média da classe social de meus colegas também ajudou. Minha mochila era bacana e meus pais tinham carro, coisa rara para aquela escola de baixa renda.

Ainda pouco atraente, tinha as pernas finas. E para completar o nome também deu origem a uma rima de criança maldosa, que vive na memória até hoje: “Ana Beatriz Baeta, perna fina e bunda seca.” Era o que diziam na hora da implicância. A primeira vez que ouvi foi dolorida e não parei mais de prestar atenção em minhas pernas, que sabe-se lá por que hoje são fortes e delineadas.

Apesar do medo e de saber que era errado, passava cola com segurança. E até me permiti colar algumas (poucas) vezes. Me sentia uma garota normal, embora preferisse fazer tudo certo. Era tão boa aluna e tão certinha que fui apelidada de “CDF”. Isso mesmo: cú de ferro. E ganhei um daqueles diplomas que vendiam prontos em papelaria com direito à cerimônia e tudo para outorga. A turma grande, de cerca de 50 alunos, toda me olhando. E eu, tímida, roxa de vergonha na frente do quadro negro, recebia a homenagem chorando. Era muito carinho numa brincadeira só.

Eu devia ser mesmo uma figura, digamos, interessante, porque também fui escolhida representante de turma hors-concours. Título que declinei de pronto, devido a danada da timidez. A turma inteira gritando no intervalo para que eu me candidatasse e eu morta de vergonha. Quando isso acontecia, ficava com as orelhas vermelhas. Característica que ainda me acompanha. E quente, muito quente. Não dá para disfarçar.

Demorei a desenvolver seios e quando finalmente começaram a aparecer, eu colocava uma blusa de malha por baixo da camisa do uniforme escolar. E depois, com eles já maiores, usava um top ao invés de sutiã, para não marcar muito. Ainda não sabia como lidar com as formas femininas. Com vergonha da falta de bunda, só usei saia por dois anos, mesmo no inverno (a calça do uniforme marcava demais). E acompanhada de uma meia bem afofada nas canelas, pois achava que disfarçava a finura delas.

Quando tomei coragem de usar calças fui chamada ao quadro negro – quadro branco, naquela época, só no laboratório de informática. E, de repente, ouvi um bochicho dos meninos da primeira fila. Fiquei intrigada com aquilo e tudo me passava pela cabeça: estaria com um furo na retaguarda? Menstruada? Estariam eles zombando da minha ausência de bunda? A tormenta foi tanta que suava frio. Terminei logo de escrever a resposta e fui diretamente ao banheiro olhar o que estava acontecendo. Mas não tinha nada de errado: o meu bumbum pequeno estava perfeitamente no lugar dentro da calça de helanca. E foi quando resolvi que estava na hora de dar o meu primeiro beijo.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Cruel

É o desandar da beleza num rosto de mulher;
É o sacolejar feminino do corpo num vestido;
É uma nesga de nuca mostrada de repente;
É o derramar das lágrimas numa alma decidida;
É reclamar sem razão com as mãos na cintura;
É o sorrir bobo quando se está apaixonada;
É um olhar;
E outro olhar.