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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Infinitude


Meu coração bate no meu pescoço. Pulsação vem do pulso, batimento vem do tambor. Meu pescoço vem da cabeça, que insiste em se destacar do corpo. Posso chamar meu cérebro de alma. Meu corpo de animal. E, entre eles, um pescoço, que mais serve para canja que é tiro e queda pra gripe.

Então quer dizer que meu coração está no pescoço. Não no meu peito que anseia por gerações futuras. E a loucurinha que não se pode controlar? De onde vem? Do pescoço. Desse elo que nos une em eterno conflito. Infinito.


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O Segredo


Pascoal não tinha medo de nada. E pensava que no fundo era mesmo um sortudo. Sua vida parecia uma sucessão de felizes coincidências. Nunca lhe faltara nada. Casa, comida, amor... Tinha tudo de sobra: conforto, boa gastronomia, sexo apaixonado. “Vida boa essa.”, pensava alto toda vez que dava uma topada e achava que não merecia.

Mas acontece que a vida nunca é 100% boa. Tem sempre que haver alguma coisa a incomodar, algum problema, mesmo que você seja um otimista por Natureza, como o amigo aqui em questão. Nem aplicando a baboseira do “O Segredo” tem-se uma vida livre de percalços. Talvez essa teoria tenha começado com um cara como o Pascoal.

Otimista o suficiente para reclamar apenas de topadas, egocêntrico o suficiente para transformar isso em teoria e suficientemente inteligente para capitalizar em cima da tremenda estupidez que é a ignorância humana. Viva o Pascoal!

domingo, 28 de agosto de 2011

Quando


Quando virá? No imo peito escondido
Não é de direito, ninguém,
 Saber a hora de seu desvelar.

Ilusão sem mesura, crer, que um dia trará
Sossego; e vir sem hora certa
Com a qual, é impossível criar.

Urdidura perturbada:
 Vida aguda sentida,
Sem a qual, é impossível mostrar.

Pacientemente, com a concha vazia
Nas mãos aguardo
Um ente assoprar

Nas gavetas da alma, ajuntar
Matéria ao que antes, não se ouvia
Por estar distante, e assim, permanecerá.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Do tempo

Voltou a bater.... está ouvindo? Tum, tum, tum. Na porta está lá. Quem é?

- É o destino!

Que desatino é esse? Nem te conheço. O que queres?

- Presente!

Tum, tum, tum. Isso é o presente, destino. O batimento do meu coração com olhos felizes. Um tum tum que anima o rosto, que sorri a boca, que estica olhos orientais!

- Não vai abrir?




Que engano é esse? Sempre esteve aberto! Escancarado! E por esse caminho a rajada de vento sempre passou. Nem que todos os seres humanos quisessem fechar os caminhos conseguiriam! O laço no presente é firme, é forte. E inseguro. Pulsa, pulsa, e repulsa!

Quando ouros pedi, ouros ganhei. Quando outros clamei, outros falhei. De emoções me calei, me irritei. Como flui? Como fui? Passei, passei. 

Repasso. Passa? Passado. Do préterito perfeito. Do réquiem me resta a vela, o ritual inconcluso, o ritual da vida. Que segue, sede, sede de vida. Desejo, e que assim seja!

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O podrão da praça

“Tomara que ela tome conta dele na velhice…”. Pensava Cristina, enquanto comia um Chernobyl na Praça São Salvador, no Flamengo, Rio de Janeiro. Era assim que ela e os amigos chamavam a Kombi que lá pelas tantas cheirava a carne queimada, torrando bacon e cheeseburgers na madrugada. Depois de tanta birita, só Chernobyl salva.




Tudo começou durante o jantar. Mas desta vez Cristina ficou surpresa. De verdade. Para seu espanto o pai não falou de Gabriela, aquela por quem havia trocado sua família anos atrás. Hoje, já mais madura, ela nem a culpava. O pai, sim, era um vida torta. E talvez ficar com Gabi tenha sido a coisa mais sensata que ele tenha feito. “Pena que tenha cagado no pau antes, durante e depois, o que não sustenta nenhum relacionamento decente.”, refletiu, ao tirar da boca um pedaço de nervo da carne de quinta.



Gabi era 15 anos mais nova, mas muito inteligente e na época do affair já caminhava para ser independente. Homem não dava nó de marinheiro nela. Só nozinho comum, daqueles bobos, e mesmo assim porque ela deixava. Enfim, a história não é sobre Gabriela, é sobre Cristina, aquela que não vai colocar o babador no velho quando ele não puder mais comer sozinho.



Tem gente que fica tão viciada em si mesma que não consegue se reinventar. Então a solução é partir para a troca externa. Que também não é oxigenada. Troca-se um exemplar melhor por um outro pior. E cada vez pior, pior, pior. Isso porque se você não amadurece, não cresce, não atrai quem te empurre para cima. O treco desanda mesmo é ladeira abaixo. E o que sobra é um velho babão. Uma pena. Enfim. Vamos lá. Foco.



Então... O pai de Cristina é o velho babão da vida dela. Com a sorte de ter nascido bonito e talentoso, apesar de mau caráter. Sua vida sempre fora boa e nunca tivera medo de nada. Falta de medo essa que passou para a mãe da Cris, que vivia de pensão e se orgulhava de, pelo menos, ter se casado com um ‘nunca-será-pobre’ - como ela gostava de dizer quando ficava desesperada por conta de sua falta de iniciativa e habilidades práticas.



“O mau caráter e a sanguessuga...”, a frase ecoava, enquanto mais uma mordida levava bacon crocante para dentro sua mastigante boca. Cris os amava, claro, mas não a ponto de perder o bom senso. E também não o perdia agora, comendo um ‘x-burgue’ duplo com bastante maionese depois de ter jantado com o pai. Já eram 3:30 e o tal jantar durou exatos 50 minutos, tendo começado às 21:45. Era assim sua vida com ele. Cronometrada.



Encontraram-se na porta do prédio dela, às 21:15. E desta vez o motorista não foi buscar, como das últimas outras recentes. Depois que ele não deu certo com a Gabi, mudou-se para bem perto da família; e como uma forma de resgate, buscava ele próprio tanto ela quanto a irmã mais nova em ocasiões como essas. Como se fizesse alguma diferença... Enfim. Foco.



Às 21:20 estavam sentados no preferido pequeno restaurante do lado norte da Zona Sul carioca. Preferido do pai. Ele era conhecido e sabia que o serviço seria rápido. Em menos de 20 minutos pratos servidos e já enquanto todos ainda terminavam a refeição ele pedia a conta, ‘para ir adiantando’. Às 22: 35 pai e filha se despediam, sem muito calor no abraço curto. Não se importaram nem com a sobremesa.



E o assunto não passou nem por um momento pela Gabi. O babão havia finalmente eleito mais uma mulher para a vida dele. A segunda depois de sua mãe. E pelo visto importara do Sertão Nordestino. Preconceitos a parte, parecia mais uma das namoradinhas de bordel com quem ele circulava, só que desta vez ele pagou passagem e enfiou a mocinha com corpo de criança e cara marcada pelos mal tratos da pouca vida dentro de sua própria casa.



Ela até que não era feia – haviam se encontrado umas duas ou três vezes no Aterro do Flamengo, onde o pai tentava andar de bicicleta todos os domingos e em seguida almoçar no Porção Rio’s. O almoço acontecia mais frequentemente do que as pedaladas – efeito da ressaca acachapante. E na última vez ela, que se chamava Ana Rosa, havia clareado as madeixas, o que suavizou bastante sua expressão. Os cabelos ‘asa de graúna’ deram lugar a uma tonalidade loira amendoada.



O pai inventara o jantar para dizer às filhas que se uniria oficialmente à namorada. E por tê-lo feito de última hora – talvez pelo fato de querer tirar logo a decisão da cabeça para poder dormir melhor – sua irmã mais nova não pôde comparecer: era formatura do namorado. E ele, que já não tinha paciência para administrar as agendas, decidiu jantar somente com ela (“Pro Diabo sua irmã e seus compromissos!”, esbravejava o caloroso pai.).



O que ele queria que ela dissesse? Por acaso estava querendo aprovação? Depois de tantas burradas ele se importaria em ouvir o que ela tinha a dizer? Cristina tinha pena. Em diversas conversas familiares ele deixou escapar que achava que filho homem não cuida dos pais na velhice – e para corroborar sua suspeita, recentemente um de seus primos havia enfiado a mãe enferma em um asilo.



E assim, mesmo tendo duas meninas, por causa das suas trapalhadas e falta de dedicação à família, o medo de ficar sozinho crescia aos galopes. Obviamente. Já ultrapassava dos 50 anos e sua saúde dava sinais de fraqueza, pelos excessos cometidos desde a adolescência. Então, arrumou uma companheira jovem o suficiente para o divertir, burra o suficiente para não discutir e pobre o suficiente para se deslumbrar. Sua aposentadoria estava garantida, e Cris não dava a mínima, tinha sua própria vida para se preocupar.



E assim, dando a última mordida no Chernobyl, pediu mais uma latinha de cerveja e acenou para o ‘Seu’ Adão, dono da Kombi, com quem ela já tinha uma conta aberta. Já passava das 4:00 e no dia seguinte ela marcou um picnic etílico com os amigos nos Jardins do MAM.

sábado, 20 de agosto de 2011

Vontade de mundos

O mundo é enorme, gigante, e eu, tampouco sei de meu tamanho.
A vida é pequena, esta refletida nos pés, que não caminham por ter medo do mundo encanto,
que é grande comparado a pequenez de um outro mundo: mudo,
débil, fútil, inano. Insano eu, por ter pavor da estranheza do humano.
Mundo meu, que é comida encerrada em lata a vácuo,
limitado por não ter coragem de sair de casa - nem para ir à varanda.


 

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Rosa Vermelha

Pausa para o cigarro. "Como não há uma área para os funcionários e não é de bom tom fumar com os clientes, é melhor que você fume na esquina." Não tem problema, a entrada das casas antigas na esquina me fornece um melhor assento que o banco que uso no expediente - tenho pernas curtas! E por um mês me diverti indo naquela esquina, que era uma encruzilhada.

Despachos de todos os tipos: com carne, com farofa, com cebola, com velas, aguardente, rosas. Imaginava qual era a intenção do despachante. Amor, paixão, libertação, segurança - nossa, imaginei até que poderia ser alguma moça interessada em um morador de Botafogo.

Numa das idas até a esquina me bateu um calafrio na metade do caminho. Achei estranho, não estava ventando nem frio fazia. Nenhum sinal de febre em mim. Na volta do fumódromo, as labaredas do outro lado da rua: fizeram um despacho no canteiro para Exú: muitas velas pretas e vermelhas, cigarros, aguardente. Bonito de se ver. Levou um bom tempo para ser retirado dali.

Três dias depois, vi passar em frente à entrada do estabelecimento onde trabalho um moço saído das figuras de Debret. Negro retinto, barba branca, chapéu de palha, calça de tecido dobrada, chinelo de dedo e blusa surrada. Ele passava do meu lado da rua. De repente, ele pára, levanta o dedo para o alto e esbraveja algo que de onde eu estava não dava para ouvir. Ele parou no exato local que senti o calafrio, e do outro lado da rua estava, escondido, o despacho para Exú.

Alguns meses se passaram sem ter outros despachos. Me tirou uma certa alegria que eu tinha na minha pausa para o cigarro. Mas hoje, por algum motivo, decidi ir fumar do outro lado da rua. Nunca fiz isso. E lá estava, em um outro canteiro, dois despachos belíssimos. Um levando farinha amarela, à sua esquerda três rosas esticadas e acima delas uma garrafa de cidra - parecia mais uma montagem de pratos de restaurante: pratos, talheres e copo. O outro era o prato com farinha branca e sete rosas em cima, dispostas de forma que formavam o desenho de uma rosa.

Minha alegria voltou! Fiquei até me perguntando se um dia não poderia ser para mim.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Quando falta

Quando falta

Sabe quando falta a palavra certa?
A pessoa desejada?
Ou a mulher amada?

Muitas vezes a falta
Faz
E continua fazendo mesmo que

Hoje faltam coisas
No dia seguinte, sentimentos
E nada faz sentido

Mesmo que um dia tenha feito.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Compensando pela semana passada


Julina

Olha a chuva
Olha a cobra
Olha a sombra
É mentira

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Pagando


De todas as economias a pior é a sentimental. Filomena não sabia disso. E pagou paixão. E na espera ficou, burocracias do acaso. Não sabia onde estava seu crédito - se estava com o banco ou com o estabelecimento. São essas complexidades capitalistas que xoxam o sorriso de Filomena.

Filomena é grande mulher. Em todos os sentidos: pro alto, para os lados, para a abertura de mente e para a possibilidade de parceiros. Enfim. Filomena é a cara em oposição à coroa. Porque ainda tem juventude no olhar independente da sua idade. Isso mata Filomena do coração - literalmente.

Sente taquicardia, bolo na garganta, perna bamba, tremedeira na mão. Filomena não se adaptou à pressa que exigem dela para a execução nem à paciência que exigem para o resultado. Filo, filos, Filomena... sempre sofrendo pelos outros.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Até breve!



Foram tantas as despedidas que já nem sofria mais. O coração apertava, naturalmente. Era emotiva, passional e visceral. Mas de tanto abandonar e ser abandonada havia criado uma certa couraça que a deixava forte no momento do adeus. As lágrimas pesadas que antes denunciavam seus sentimentos íntimos e profundos deram lugar à um leve lacrimejar. Um misto de preocupação e dor, pensava, enquanto caminhava lentamente rumo à mais um desafio.

domingo, 7 de agosto de 2011

Diário de inverno


8/02/76
Hoje tornei a ligar a televisão, mas unicamente para ver um filme. Chaplin me encanta e não pude deixar de ver “Luzes da cidade”. Sorte ser domingo, eu achar os domingos enfadonhos e querer ver televisão. Parece que estou me acostumando novamente à solidão. Tentei não reler a carta de Marta, porém a tarefa parece ser impossível. Estou pensando em ir a sua casa, aliás, seu bairro é bem perto do meu. Só fico a imaginar se não me receberia; ou pior, me receberia, me convidaria para um chá e ao adentrar sua sala me depararia com a fotografia de outro homem na estante ou em algum aparador. Nunca suportaria as fantasias que me assaltariam dia após dia tentando descobrir se ele fez seus dias tão prazerosos como eu fiz; ou se fez melhor; ou se ele era melhor que eu; ou pior, se ela achava que ele era melhor que eu. Nesses momentos é que minhas indagações sobre “o que sou” perdem o sentido. O que importa é que ela encontrou alguém que faz por ela o que eu não fiz, ou nunca faria – sim, existem coisas que eu não faria por ela. O que eu não faria? Nada me vem à cabeça. Eu sei que tem muitas coisas que não faria, só não consigo um exemplo agora.
Reparei que ao me contrapor com ele – o da foto na sala de estar –, pareço ter o mesmo pensamento que me motivou a não mais ver televisão, em outras palavras: motivação à inércia. Mas uma coisa é certa: nunca suportaria minhas fantasias sobre outro homem na vida dela. Que confissão tola! Imagine Neruda lendo meu diário, que lástima.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

O Cortiço


A vida da pobre coitada mais parecia uma novela de quinta, daquelas bem mexicanas. Divorciada antes dos trinta e com um filho no currículo, caminhava para mais um casamento atrapalhado, enfiando outro rebento goela abaixo da próxima vítima. Vivia em pleno século XXI e ainda não conhecia o que era independência, escolha, planejamento e respeito. Estava grudada na Idade Média, vivendo de impulsos e Bolsa Família.

A política nunca lhe interessara e se valia de afirmações infantis sobre a inutilidade do voto. Para ela, qualquer responsabilidade era inútil e pelo visto tratava o seu útero com o mesmo tipo de respeito. Respeito esse que refletia muito mais na vida dos companheiros de habitat do que em sua própria existência. Aliás, boa pergunta seria essa. Será que ela existe, ou apenas coexiste em sua sucessão de trapalhadas?

Contas a pagar, insatisfação pessoal, falta de cultura e ignorância pontuavam os anos que escorriam por suas mão inábeis. A falta de ambição beirava a estupidez. E o ponto alto das conversas era quando concordava com o interlocutor. Assim, escondia-se atrás da sua insegurança. A mentalidade era tão infantil que sequer sustentava qualquer discussão. Encerrava os embates aos gritos para não ter que ouvir a si própria.

E assim, divertia os que acompanhavam a problemática diariamente. E eles o faziam porque era mais fácil do que lidar com suas próprias vidas. O drama alheio anestesia e não engorda...