Além de frases e dicas literárias publicadas na página do Facebook, somos apaixonados e apaixonadas pela escrita com idades, trajetórias e expectativas diferentes que, separadamente, registramos nossos devaneios. Se quiser fazer parte, envie para nós seu texto (oficinacompartilhada@gmail.com)! Os que forem escolhidos pelo grupo serão divulgados aqui na Oficina Compartilhada.

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Bem-vindos e Bem-vindas!! Saravá!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Observando Lesmas: Aconchego

Aconchego vem da concha que nos recebe. Ela não muda suas formas de imediato, sua transformação é lenta e vem do uso. Uso, gasto, assim me relaciono com minha concha. Vou gastando ela. E nem pense que ela não me gasta. Perdi uns cinco quilos na primeira semana de estadia nela para ter uma folga no seu labirinto. Fico magoada quando ela não considera isso e reclama que seu espiral está menos circular de tantas batidas em rochas.

E, para falar a verdade dos meus sentimentos, mágoas não são do passado. Se fazem presente em cada reclamação da minha concha. Infelizmente, eu associo seu tom de voz àquela primeira vez que me magoou. Esse bendito tom de voz me persegue. Eu tento dizer isso à ela, mas evito quando me dou conta de que ela é assim, é como ela se expressa. Eu não posso exigir um curso intensivo de impostação vocal para que ela consiga ser mais clara na sua linguagem não-verbal.

Até porque eu gosto de me perder no seu labirinto. Em cada horizonte há uma continuidade curva e quanto mais próximo do fim, mais eu percebo minha pequenez diante dela. Eu não caberia lá nem se eu me emagrecesse, me repartisse ou me definhasse. Então fico olhando para lá, imaginando o que pode ser. Me perco ali na minha cabeça até ter a necessidade de sair da concha e carregá-la por um novo caminho em busca de alimento.

A minha concha sou eu que carrego. Nem tentem tirá-la de mim. Ela é minha negação, minha concha, para onde vou, onde eu chego. Meu aconchego.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Carta da solidão


Eu sei que vc está vivendo sua vida, mas tem expectativas que um dia a gente volte a dar certo. Isso fica cada vez mais difícil de alimentar em mim. Quero ser fiel ao que é realmente importante e ser inteira. Na vida existe fatalidade e também sintonia. Basta termos atração para que comece a afinidade e o resto aconteça. Tudo o que vivemos foi muito, muito especial porque estávamos totalmente sintonizados.

Creio ser impossível reconstruir e manter uma relação à distância, mesmo que nos tornemos mais cuidadosos, como você gosta de dizer. Dois anos é muito tempo e já estamos fora de sintonia no momento, imagine nos vendo apenas ocasionalmente? Eu quero companheirismo e cumplicidade. Por mais que acredite nos seus sentimentos e tenha superado todas as mágoas, sei das minhas fraquezas e não tenho condições de viver ½ de uma vida, sendo que a outra ½ é cheia de incertezas, agravadas pela falta de convivência.

Estamos muito distantes faz tempo, e o que vc tinha receio (de nos tornarmos estranhos) já está acontecendo em um campo muito sutil, mas muito, muito importante pra mim, que é o da intimidade. Este é muito difícil de conseguir sem ter uma vida em comum e cada vez que fico como no momento em que estou agora me coloco em uma das piores situações em que poderia me encontrar.

Hoje em dia eu me compreendo muito mais e ignorar meu mundo íntimo é voltar atrás no meu processo de autoconhecimento que têm sido muito, mas muito doloroso. Sofro de fadiga, medo e doença. Entro num processo psicossomático, totalmente desorganizada emocional e psicologicamente. Caio de cama e fico totalmente sem energia. Junte-se a isso o fato de não poder contar com ninguém, o que me causa uma ansiedade ainda maior. Falta quem me ajude nessas horas, alguém que partilhe da minha intimidade, das minhas frustrações, me conforte e me encoraja.

Relacionamentos ocasionais em encontros festivos não constróem base sólida para o convívio diário. Se daqui há um mês você ficar com saudade e me escrever “Preciso falar-lhe.” existe uma chance enorme de eu ceder, como das outras tantas vezes, mas aí o ritual é o mesmo: momentos de festa de muita sintonia, planos ilusórios para um futuro incerto e um dia a dia de muito, muito sofrimento.

Não entremos nunca em maiores detalhes, pois sabemos como apenas a simples suposição dói. O medo de sermos agredidos verbalmente ou ameaçados moralmente também já passou. Tenho a certeza de que já superamos. Nosso crescimento interior fez com que olhemos pra frente, perdoando o passado e respeitando a realidade um do outro, apesar do nosso diferente nível de amadurecimento.

Agora precisamos ser inteiros. E ter muito, muito respeito com as possibilidades e a individualidade. Limites para não invadir a privacidade e transgredir os territórios emocionais sem termos o menor direito à isso. Eu preciso agora do meu limite, para poder conquistar coisas maiores e alcançar o mínimo de equilíbrio. Já machuquei bastante a mim, a ti e à minha família e amigos com meu descontrole.

Nesse meu momento existencialista enxergo que a vida vivida na consciência oferece mais segurança e controle do que a vivida na inconsciência. Somos livres para escolher os caminhos que vamos tomar e assim sendo somos escravos das consequências...

Não adianta o paliativo de planos incertos. A decisão que tomei foi muito bem pensada e levou em consideração esta reclusão, este distanciamento total do meu campo confortável para ter um momento de profunda reflexão e discussão dos meus valores para poder ser uma pessoa mais feliz com as minhas escolhas.

Tem dias de muita, muita solidão.
Amadurecimento é o que eu preciso.
Harmonia.
Ouvir a voz da própria alma.
Sentir, questionar e refletir.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Escrever

Sim, tenho medo da vida;
E tantas vezes não há ficção que alegre o dia.
Escrever é o esforço de entrar na realidade, pelo avesso:
Tal qual filosofia, ordinária, a fim de atravessar o tempo
em suas costas, ser levado ao sentir dos sentimentos, e descansar.

Sim, tenho medo do dia;
E a ilusão da vida não anima meu tempo.
Escrever refaz a filosofia pelo avesso, quando é poesia:
Tal qual a vida, ordinária, a fim de me localizar nela,
sentir os pêlos da barba, as frutas no cesto, o som da rua, o banco duro da praça;
Querer o que é, e esquecer o que pode ser.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O.que.o silêncio não diz

Olhinhos assim ó.O
Esbugalhados
Debulhados em palavras
Que não sabem ser ditas

Ditadas como são
Sanam diante da sensação
De abrir os olhos e ver
Ver que não era pra ser













Janela dos olhos

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Neblina

Uma tempestade de poeira encobre a janela, e não bate chuva que escorra água de esperança pela vidraça.
É a neblina, o momento, a invisibilidade das perspectivas que abrem espaço para o tédio.
Que espessura de pó ou densidade de vapor impede a visada?
O horizonte se perde, mas sei que repousa em algum lugar.
É noite, faz frio,
mas não chove.

O som do ar adentrando-e-saindo das narinas repetidamente dão o tom das horas,
dos segundos que compõem os minutos em que a rotação do mundo é imperceptível - para quem?
É noite, faz frio;
devastador é não sair do lugar e se mover com a Terra;
no meu quintal não chove.

A janela encoberta de uma espessa e densa camada - de quê?
Desconfio... que não sei.

Mundo Inventado


Eu sei que a vida deu uma volta enorme. Mais do que isso, eu sei. Mas eu sei também que comi cada cheiro de poeira que passou pelo meu caminho. Eu quis te dizer isso o tempo todo e quis também demonstrar, sem sucesso - pois ao mesmo tempo fugi de medo. Pavor! 

Hoje minha cama está vazia. Mas ela nem sempre está vazia... Só que, mesmo cheia, não fica quente de jeito algum. Ou nunca ficará... Te liguei com uma desculpa esfarrapada, é verdade. Eu não te esqueci e não vou esquecer jamais. Não é parte de nenhuma doença esse revelar. É parte da minha sanidade. Eu posso ser feliz com um mundo inventado - eu nasci para inventar. Escrevo sobre vidas e reinvento a minha o tempo todo. E não tem nada que me traga mais felicidade do que relembrar o que vivemos.... 

Me desculpe, mais uma vez, por evocar um passado presente. Eu vou te amar pra sempre. Intensamente. Mas vou amar um ser que não existe mais. Um brinde ao presente futuro. Ou seria futuro presente?

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Tédio

Quente. Muito quente e abafado. O ar fica tão denso que nem se escuta os vizinhos, só o vazio passando de orelha a orelha. A visão nada foca. O corpo lateja de tão quente e cada dobra sua força a mudar a posição. Não, não está tão quente para ligar o ar-condicionado. Aí mesmo que me isolaria a ponto de nem ouvir a possibilidade de um vento.

É nesses momentos que faz falta uma trovoada e a chuva torrencial que dura segundos, o suficiente pro asfalto ter cheiro. Tão inesperada que acorda as pessoas para fecharem as janelas, abaixarem as persianas. Quem sabe um refúgio na marquise mais próxima, ou se sentir por alguns instantes embriagada debaixo das gotas. Seria tanta água em tão pouco tempo que animaria a vida a sair da toca.

E que lua se pode ter num momento desse? O céu longe, escondido em camadas e camadas de calor que ainda não precipitou. Uma janela batendo é um bom indício. Impressão minha, alguém se isolou no ar-condicionado e me deixou com sua goteira.

Podia me refugiar nos noticiários, ou continuar fazendo o que estava fazendo e que não sei porque motivo eu parei. Com certeza eu já estava p a r a d a. Ai que nada! Só posso reclamar dele quando não tenho nada para comentar. Nem comigo mesmo. Posso inventar a quarta chuva do dia, mas seria só minha. Nem uma paranóia para alimentar. O jeito é acender um cigarro e voltar a fazer o que estava fazendo. 

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Das loucuras daqui e Dali

Acabo de descobrir que o tal Cesar, meu professor de filosofia, é meu ex marido, um mestre na arte dos jogos mentais. Há seis anos atrás nossa história de amor começava. Engraçado isso... Mais velho que eu uns 15 anos, o pobre coitado tinha que tomar Viagra de meia em meia hora. Hoje em dia sou apenas doce, não lembro nem de longe a ninfomaníaca por quem ele se apaixonou. Nosso relacionamento foi extremamente passional. Uma loucura.

Levamos um baita susto quando nos vimos na mesma sala de aula. No final veio com uma conversa mole e me chamou para um drink. Mencionou O Lobo da Estepe, um dos meus livros prediletos, e disse que havia estado num lugar parecido com o ‘teatro mágico só para loucos’ de Hermann Hesse. Aceitei o convite e, a meu pedido, fomos para um bar perto da minha casa.

Sentamos de esquina, joelhos roçando. É claro que eu estava um pouco nervosa. Tá, vai... Bastante nervosa. Dei uma golada generosa no copo de chopp para lavar a serpentina e ajudar o brilho a subir mais rápido para disfarçar a ansiedade. Falamos um pouco sobre amenidades até ele começar a história da ‘boate só para loucos’. Parece que é esse mesmo o nome do lugar.

O que para mim era loucura, para ele era uma revelação. A experiência misturava a esquizofrenia do filme Clube da Luta ao laboratório de loucos de Harry Haller - onde Cesar, em busca de diversão e no auge da intoxicação por cocaína, procurava um tal Dr. Smith na boate laboratório, que realiza experimentos com pacientes esquizofrênicos. Lá, o paciente é direcionado para uma pista de espelhos onde é entrevistado e testado até seus limites pelo tal doutor, que diverte  sua audiência como num programa de auditório. O público dançante e intoxicado tem o direito de interferir no embate a la Big Brother e uma fita é gravada para o cliente assistir posteriormente.

Há esta altura eu já estava quase que no estágio 3 da minha embriaguez. Lembrando que meu pai  nunca me viu trôpega e que meu grau máximo é o 11.9 numa escala de 0 a 10... Enfim... Dali pra frente Salvador virou fichinha e dei um viva ao lobo da estepe.

Que venha a próxima loucura!!

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A verdadeira história de São Jorge



São Jorge estava prestes a matar o dragão quando titubeou. Afinal meter a lança numa besta a fim eliminar o mal, estava começando a soar estranho para o Santo. O tal dragão, era na China um deus, assim como era um demônio em outras culturas e um horrendo ou simpático ser mítico em outras. São Jorge era estudado, já tinha ido à China, Índia, Croácia, Grécia, Italia e etc. como era de praxe para todos os seres que desejariam virar Santo terem de fazer tal percurso. O vestibular para Santo, vocês nem imaginam, é concorridíssimo!

Então ele tibubeou. Pensou que se matasse ganharia fama, afinal  já havia cumprido seu desafio final,  possuia seu grau de Santo, e estava fazendo um trabalho extra a fim de colher histórias e façanhas. Contudo, não cravou sua lança. Pensou: "As pessoas só querem as coisas na mão. Eu mato e depois? Vão ficar aí me convocando pra afugentar outras coisas e, trabalhar mesmo que é bom: nada!". A besta se espantou com a atitude do Santo e questionou: "desistiu?", e ele calmamente disse: "devemos ser amigos. Tu de vez em quando vai lá, assusta um pouquinho que é até bom pra essas pessoas sairem do lugar acomodado". O dragão sem entender e ainda mais espantado soltou: "Mas eu não assunto ninguém não Jorge. Tu ia me matar e eu nem sei por quê? Tava eu tomando minha água no rio e veio tu atacando eu me defendi". São Jorge timidadamente fala "me desculpas então?! Esquecemos tudo?" E a besta resmunga: "tá certo, tá certo. Mas já que a santidade veio aqui, poderia tirar uma foto comigo?".

A foto todos conhecem, e é reproudiza as muitas em escultura. O estranho foi o dragão querer posar naquela posição, mas aí não cabe a nós julgar.

sábado, 8 de outubro de 2011

Família Futebol Clube



A cidade era pequena - ou a concentração de renda que era mais forte? Havia somente um colégio, dois parques e muitos botequins. Naquele colégio se encontravam as crianças ricas e aquelas pobrinhas que tinham pais preocupados com educação.

Numa dessas pobrinhas, tinha-se uma família que se igualava a um time de futebol: dez em campo e um goleiro. O goleiro tinha suas regras próprias jogando com a mão e se colocando à disposição de todos os chutes: não negamos ser o filho o mais novo. O mais velho, ares de capitão do time, repassando as informações do técnico - eita, telefone sem fio! Os outros, cada qual com sua função para juntos batalharem pelo gol. E quem vence é a equipe: o nome da família na sobrevivência das espécies que, singelamente, chamamos de civilização.

As regras do jogo são óbvias: o homem sustenta a casa, a mulher cria os filhos, a palavra é de ordem e a palmada é autoridade. Seriam mais óbvias não fosse a globalização e os campeonatos estaduais, federais e, quiçá até onde fosse o nome da família poderiam alcançar competições internacionais! Todo esse contato apresentou obstáculos como corrupção, mentira, drogas, fofoca, menosprezo. Algo se perdeu. Quando a equipe toda falha, primeiro trocamos o técnico. Mas ainda bem que no jogo da civilização existe a morte, e é mais fácil superar a morte do técnico que a morte do jogador - lembremos do esquema da responsabilidade civil: mendigos, suicidas e ignorantes são responsabilidade coletiva, todos sofrem.

Mas que algo foi esse perdido? Foi a autoridade? Foi a voz da verdade? Porque não compreendemos que foi a regra do jogo. Quando não são respeitadas, é difícil admitir um caminho alternativo. Tolerância não é muito admitida nesses momentos de escalada social, predação animal é pouco perto dos sentimentos humanos.

Sem fugir muito da família, uma das regras para o controle de tantos jogadores é a palavra. E mais que ela, a imaginação. É por poucas palavras que se permite à imaginação fluir e se criar um mundo no qual se tem domínio..... esse é o sonho de todo técnico - e este ainda se diz técnico, burocrático, científico e objetivo... imagina quando se descobrir um sujeito! Criam-se intrigas internas ao comparar jogadores, a ir contra vontades pessoais. Tudo em nome do coletivo. Coletivo de quem? Do técnico, oras. Ou achamos que técnicos ouvem a torcida?

Pobre do técnico que não explicou o jogo e não conseguiu mais ser ouvido. O mais-velho acreditou ser o capitão do time e, mesmo perdendo o posto com o cartão vermelho, continuou na sua função de picotar a comunicação a seu favor na lateral do campo. O mais novo acreditou ser o goleiro e, depois de alguns frangos no segundo tempo se frustrou e fingiu uma contusão. O atacante passou a jogar na defesa. O lateral esquerdo ensaiou de goleiro. 

A última lembrança que se tem dessa metáfora foi quando, após o apito final e a insistência dos jogadores, o técnico furou a bola e se retirou de campo, deixando-os uns contra os outros sem perceberem o fim do jogo.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Viagem no tempo

(Trim! Trim!) Oi, é a Margarida. Embarco hoje para uma viagem íntima e longa para dentro de mim. Eu sei que de tanto me apaixonar pelo mundo esqueci de amar a mim mesma. O que é isso que acontece com gente de tudo quanto é tipo? Essa eterna insatisfação latejante, latente, delirante... Que te pega de surpresa numa sexta-feira à noite, em pleno happy hour? Ou durante a corrida na praia, de pés descalços e alma desarmada... Não sei o que levar, nem se vou voltar. Mas eu não quero te perder como os outros. (Clic.)

(Trim! Trim!) Então... Sou eu, Margarida. Liguei para alguns amigos para pegar dicas de coisas interessantes para fazer e comidas gostosas para experimentar. Uns me pareceram bastante radicais. De tanto se amarem dormem e acordam cedo, consomem álcool com moderação e só comem carne vermelha uma vez por semana. Outros já me deram dicas mais maleáveis. Correm de 2 a 3 vezes por semana, se permitem comer carne vermelha quando dá vontade e até programam um porre para relaxar. E aí? Quer tomar um porre comigo hoje? (Clic.)

(Trim! Trim!) É a Margarida. Te procuro porque uma das minhas amigas perde tanto tempo pensando excessivamente se está bem vestida, acima do peso ou ficando velha, que nem paixão, nem amor, passam por lá. Será que você pode ajudar? Fico com medo que seja tarde demais. (Clic.)

(Trim! Trim!)  Olá, é a Margarida. Outra vez... Obrigada por ter ajudado. Mesmo. Você não responde, pensei que nem estivesse me ouvindo. A gente se esbarra por aí. (Clic.)

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

As histórias fantásticas de Seu Lunga



Seu Lunga, humilde pescador, fama corria por toda Carió, repousada no interior do interior de um desses Brasis. Resposta para tudo tinha, e não bastasse ser do ofício dito de histórias falseadas – para não falar estórias, já que não existe mais em nossa prosa oficial –, capturador de peixes: “sereia de rio, difícir demais, peguei uma vez”, Seu Lunga amiúde espremia um caldo forte e substancioso de sua casca espessa, que fazia de recuar até coronel, e de aproximar era gente muita, das outras que beber queriam.

“Esses cabras parecem mais é bichu di luz, córri córri involta di lâmpida, isso quando modo de num batê e cair no chão pra logo avoar pro mêmo lugar; e pior, isso é o que mais acontece.” E os meninos que na entrada estavam da vendinha, responsáveis foram pelo furdunço que se instalou em Carió: tudo por pingado ter em seus ouvidos o famoso caldo de Seu Lunga. 

Era um tal de “pai, pai, mãe, mãe, o que Seu Lunga quis dizê chamano os cabra de bichu di luz? Eu sou bichu di luz tamém?”. Creditem! Tudo causa de três calanguinhos e seus pais, pais, e mães, mães que pra Seu Lunga correram logo pra modo de explicar a tal frase. “Má nem eu me alembro que falei isso homi!” ele dizia. Cansado fiquei de o pescador tanto isso repetir pros que vinham em muitos – os muitos considerando Carió: que dúvida qualquer aparecia, iam ter com ele para a sabedoria sua apaziguar. Desta só vez, que ele cansou e dia irritado lançou “Ué falei: bichu di luz faz o quê?...” E amontoados todos perguntaram: “o que Seu Lunga? Diz!”. 

Analfabeto, num mentia se perguntado fosse: “nem escrever Seu Lunga?” e os poucos dentes mostrava dizendo “nem meu nome homi!”. Brilhante dos pescadores era o mais, mas digo, ouvi é que não ouvi ele responder sobre os bichos de luz. Acabei por entender (?) por mim só, Seu Lunga era a lâmpida. Alumiei depois só de voltar pra Curió, e a ele visitando vi pessoas aos muitos ainda perguntando sobre os bichos de luz e os cabras relacionado. “Digo depois só de acabar findando” tremida a voz soltava diante do apelo. Ninguém satisfeito estava, mas a morte dada ao pescador bem próxima, desistiram por aquele dia. 

Semana se passava, e ele minguava. Decidi ao seu ouvido ir e “Ocê é a lâmpida!” tencionei. Tremi me tremi ele falando: “não fío”. “O que é então homi?” me assemelhando os outros disse... Que morte bonita teve ele. Como gente tinha! Olhando todos estavam prô velho pescador. Começou uma história – em Curió não há estória, e não é da gramática culpa –, era de uma pesca recente sua, então os braços levantou, arqueou um deles como se tivesse puxando uma linha de anzol e arrastou a fala: “sabe, antionti quando puxei o anzol lá no riozin: outra sereia, creditem! Duas numa vida é sorte muita”, e um dos meninos que perto da cabeça de Seu Lunga restava assegurou: “eu vi! A sereia si debatia demais demais, forte muito era”. 

 Seu Lunga que se ria fraquinho, entregou então modo um gesto, a vara de pescar imaginada da história contada pro calanguinho. Com prantos nos olhos e cutucando levemente com uma das mãos o semi-morto braço e a outra cuidadosamente segurando a vara de pescar, dizia o franzino: “Seu Lunga... Seu Lunga... Fala como nós sabe trazê e recuar os bichu di luz”.