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quinta-feira, 31 de maio de 2012

Olhares



A mirada penetrante
dos amigos não tem beira:
é translúcida clareira;
é um olhar petrificante.

Falavam-se sem a veste
de qualquer palavra-imagem,
contemplavam a celeste,
direta e pura linguagem.

Entretanto, inibidos,
assaz o momento abusa,
sentem-se por fim coagidos
por olhares de medusa.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

DeRosa



"Vestiu rosa - dia de férias. Costuma se vestir de todas as cores, menos rosa - ainda mais naquele tom. E o soutien nem se fala. Foi sem ele. Melhor que queimá-lo - vai saber quando pode precisar desse support?"

O feminino se define por saias, calcinhas, cores, gestos... e ainda, infelizmente, por posições de subserviência ao macho. Ou seja, temos aqui, neste parágrafo, dois femininos: um, o do construído de acordo com a cultura - e o que se faz com esse feminino que está na sociedade - o outro, construído de acordo com um "outro", que reclama, que nomeia - aqui é feito de opostos: calça-saia; unha feita-unha roída; cabelo de laquê-cabelo de gel; mãos contidas-mãos ao ar.


"Foi até o bar e pediu uma cerveja. Dois copos? Não, um só... estou matando o tempo."

E todas as regras da sociedade nos levam a uma interpretação. Mulher que sai só - PIRANHA!. Mulher que rói as unhas - DESLEIXADA!. Mulher que usa calça - SEM JEITO!. Mulher, mulher, mulher. Dá pra ver a união das letras e sentir que as letras em conjunto quando são pronunciadas não querem dizer nada?


"O garçom já saiu fazendo piadinhas, comentando a facilidade daquela saia embriagada. E a situação vai ser tão certa e tão embaraçosa para aquela mulher que não haverá problema nenhum com a esposa - ela não vai saber."

Sabe por quê depois disso não diz nada? Porque quando colocamos a mulher em um lugar, colocamos em uma função social: a esposa, a mãe... etc. Ao falar mulher ainda não temos a mesma abstração de Homem. A criadora do homem é também chamada de Homem. E o continuamos vivendo essa divisão de forma desrespeitosa e nesse caso a diferença é para calar o outro.


"Na volta do banheiro, o paredão: 3 homens impediam o caminho."

Porque respeito é pelo ser humano. É abolir a razão para entender o outro. Sentir na sua pele, sem nenhuma conexão lógica o que é ser aquela pessoa, o que é passar por aquilo. A tal da consciência amplificada - nome dado por Dostoiévski em Notas de um Subsolo - fala disso. Da desumanização pela razão: achamos que sabemos tudo que acontece no interior dos outros, que sabemos o que o outro sente, o que outro vai falar, o que quer dizer e como esse outro vai agir. Mas nunca seremos o outro. Até estarmos na sua condição - aí já é karma, dharma, como quiser chamar. Só então saberemos a dimensão daquilo que indiferentemente passou pela lógica da nossa razão.


"Não adiantou fazer piada, pedir licença. Nada aconteceu, mas teve que levar para casa o porquê saiu sozinha deste jeito. E levou também aquela sensação de que podia ser pior: por um segundo, o horror era viável, possível e pensado."

Nada contra a saia rosa, mas vista uma e siga seu caminho até o trabalho e entenda o que isso significa. Só aí poderemos falar em igualdade.

12/05/2011

domingo, 27 de maio de 2012

A Cachorra: rompantes, empavonamentos e outras neuróias


Surtou...

Do nada?



Neurótica! Diziam... 

Mas a verdade é que era muito sã. E de tão sã adoeceu até a Cachorra, que uivava de noite quando a lua saía de mansinho. Pensava ser um gato alado, coitada. E queria sair voando e miando sem parar.



Certo dia chegou em casa e a pobre peluda estava lá, sentada na poltrona de pernas cruzadas. Sim! Pernas cruzadas! Contavam... Mas a verdade é que já tinha feito isso outras vezes, não fosse o espantamento pelo fato de estar de avental. Pensava ser chef de cozinha, tadinha. E esperava a cliente chegar para montar a praça. Mas a surtada apenas abria o pacote de ração e despejava na tigela escrita Bob (!). Em seguida, servia-se de um trago e ia dormir. Nem um afago. Nem uma palavra. Nada.

Espalharam por aí que a última vez que a viram antes do romance com o motorista da carrocinha tinha eclampsias sem estar grávida... Ele fora o primeiro de sua vida a lhe dar uma salsicha. E pegou infecção intestinal por isso, ainda por cima.

Coitada da Cachorra...

No entanto, ainda viveu um bom tempo, terminando o dia em gargalhadas aterrorizantes. Não sem antes entrar em coma profundo e dar um trabalho danado, afirmavam... Era contra a eutanásia e propositalmente ajeitou um testamento que deixava tudo para a vizinha que lhe jogava pedaços de galinha na intenção de sufocá-la antes de uma noite uivante.

A vizinha sabendo disso, entre um trago e outro, atirou-se copiosamente no caso da Cachorra e checava-lhe as necessidades a cada hora, limpando-a e perfumando-a de gratidão. A quadrúpede continuava gargalhando cada vez mais maquiavelicamente, só que agora sem ninguém ouvir.

Em seu epitáfio, Cachorra mandou o Papagaio escrever: “Aqui jaz uma mosca morta.” E o Grilo Falante discursou a única coisa que a peluda deixou escrita: Fodemo-nos todos!

Fim.

http://fineartamerica.com/featured/1-elevator-julie-fischer.html

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Poeta das onze horas


O galo canta às quatro,
Madrugada lança ao dia:
Mistura-se aos operários,
Corre para o salário;
A vida acorda cedo.

O poente brando apita.
"Os dias como cansam!"
Retorna enfim a casa.

Disperso de suas vestes,
da graxa e da poeira,
é à noite que trabalha,
nu e solitário,
Vestido de poeta.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Jardim de Infância


Falham as imagens. Falha a memória. Questiona-se a garota elétrica que corre, de casa em casa, convidando seus companheiros para a próxima empreitada. Matar o tempo é pouco, consome-se os segundos, as horas, até o jantar. Que hoje é sopa e que se repete o ritual da TV: sopa da vovó - brrlll. Se a avó ali estivesse, beberia a sopa e arrancaria o capim limão da jardineira, sob o luar-cheio de quem conhece o poder de um copo d'água embaixo da cama de dossel.

Não importam o número das escadas, são sempre uma ascendência à descendência de quem somos com a velha lá cima. A vela em toco iluminando o diálogo com ninguém na madrugada fotografa a luz da lua que invade o quarto. Menina! Não sabe de nada, consegue misturar idéias, cozinhando opiniões... mas o fermento, esse, esse sim, compromete o tempo e questiona a razão.

O jardim morto em vasos de adubo acrescenta à imaginação a frustração. Imperceptível aos olhos da criança que vê roseiras, orquídeas e espadas-de-são-jorge em terra infértil. Mesmo o copo d'água desaparece, conhecendo a força da chuva. Quem desafia a areia, que grão-a-grão esvazia o papo e canta a alvorada? O miolo do hibisco cagou a bailarina sem tutu, por falta de torresmo, que acompanhasse o ritmo dopo ulpultipimopo suspuspipiropo depe espesranpançapa.

sábado, 19 de maio de 2012

Aquele Cara



Entrei no banheiro. Sentamos do lado de fora. Estava calor, então pedimos cerveja. A que estivesse mais gelada. O garçon trouxe copos e um cardápio. Era bem velho. Agradecemos com carinho automaticamente. Minha amiga frequentava o lugar e éramos sempre bem servidas. Nesse momento vimos Aquele Cara do outro lado da rua. Fazia tempo que não o via. O telefone vibrou bem na hora e foi bom para disfarçar. Deu um frio na barriga, mas logo passou. Ela me perguntou quantas vezes por dia eu pensava nele. Fiz cara de paisagem e disse lamuriosamente “Toda hora.” Ela suspirou e mudou de assunto. Realmente de nada adiantava me massacrar com sermões. Sentimentos aqui quando chegam, grudam por um bom tempo. Ela disse que Aquele Cara estava atravessando a rua enquanto eu mexia no celular. De repente senti frio. Na verdade, gelei. Uma menina na mesa ao lado levantou correndo e se pendurou no pescoço dele. Me deu enjôo. Saíram andando para o lado contrário e fiquei pensando que ele nem me enxergou. Nesse dia cheguei em casa totalmente embriagada. Chorei até cair no sono. E nunca mais pensei nAquele Cara. Nunca mais o vi também.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Boemia


Há dias minha cama cheira a cigarro,
e eu não fumo.
O sol vai,  a boemia me chama, 
e eu não durmo.
Despeço-me da cama, aceno a casa,
à noite me agarro.
Vou indo por ela, vago no escuro, 
e arrumo,
uma dama, 
e outra cama cheirando a cigarro.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Tentativa de a-cúmulo



Dentre as cinderelas e as belas adormecidas, o marco para sua história foi Chapeuzinho Vermelho. Em uma versão antiga o lobo aborda a menininha e lhe pergunta: 

"Caminho das agulhas ou dos alfinetes?" 

A menina que ouvia a história não entendeu até que esfregasse a cara na vida - dizem que devemos todos mergulhar nela, mas pelo excesso de ingenuidade é melhor esfregar mesmo.

A menina demorou a entender que nem todos pensavam igual e, pasmou, aprendiam diferente. 
Demorou a entender que consenso não é a união das vontades, e sim a união das frustrações. 
Levou um bom tempo a perceber que tempo é invenção. E que a maior invenção de todas era ela, no tempo.

A menina experimentou agulhas e alfinetes e na pele sentiu a mesma dor, por aparência optou pelos alfinetes, caíam bem com o aspecto cru da carne. Para as agulhas reservou uma caixinha, "essas são os outros". Afinal, "o que atravessa minha carne deve ser visível, ornamentando alfinetadas, o que uso nos outros deve ser sutil, a tal ponto que pareçam pequenos brilhantes" e não o veneno da sua vingança silenciada.

Mas sabe qual é o cúmulo da ingenuidade? É lidar com as vontades dos outros pensando o melhor deles. Cúmulo ou acúmulo?



quinta-feira, 10 de maio de 2012

Promessas vãs ou A Falta de uma UTI Exclusiva para Doença Coronária Crônica



Cansada de tanto lero lero soltou um grito a plenos pulmões, desligou o telefone e foi chorar. Lembrou do ditado popular, “vai chorar na cama que é lugar quente” e foi. Lá ficou, exausta, até adormecer. Levantou na hora do encontro marcado.



O assunto não desviava do problema. Estava muito cansada para lutar contra a necessidade de falar sobre o que não queria. Teria que gastar as cordas vocais já exauridas de tanto viver. Toda vez que a vida lhe oferecia desafios, dava a outra face e perdia a voz.


Enquanto chorava, chovia. Era sempre assim. Nos momentos de maior inquietação o céu sempre jorrava junto com ela. Mas dessa vez não estava tão frio. Gostava mais de si mesma, palpitou.


E então rolou e rolou na cama até sentir fome. Levanto-se e preparou uma torrada. Isso daria conta, pensou. Mas não deu. O sono não vinha e ficava pensando nas palavras do guru. Estava um pouco cansada de palavras.


- “Vai acontecer o que for melhor para você.” 


Promessas quebradas são como um pequeno enfarte. Uma angústia feito angina do peito, mas que não tem terapia intensiva que dê jeito.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Clarea-me



O que fazem esses negros, meu Deus,
De sorrisos tão brancos, palmejando em alguma coisa qualquer?
Que balanço cadenciado é esse que comanda suas ancas sobressalentes?
Qual sinceridade é essa que lhes escapam o verbo?
É o anuncio da perfeição na garganta calejada dessa gente de alma ritmada, de voz suave, e tom transparente?
Rogo-Te, meu Deus: que é isso? Explica-me!, pois não compreendo.
Sê sincero, são estes os mesmos a quem esfolamos os corpos
quando o que queriam era pronunciar sua arte?
Permita que esta arte nunca cesse, Deus meu,
Pois ela ecoa em meu peito dorido um novo sopro de vida.
Confessa, inda sincero,
Clarea-me!, Te peço:
São eles que erguem as cabeças ascedendo os céus, ou és Tu que ajoelha ao chão e sopra em suas bocas, verte luz e anuncia o samba?

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Briga de Egos


Nunca achei que fosse possível ser assim... ignorando tudo aquilo que já foi estabelecido. Mas por ousadia tentei e ainda tento. E me posiciono na prática no bom e velho "quem penso que sou para ....?". Sem quebrar paradigmas. Afinal, já estão estabelecidos. Contudo, é possível ser alguém que ignora os passados? O meu. O seu. O da nossa esquina?

Paralelepípedos que suportaram
saltos de fivelas, pés-negros e havaianas. 
Ponto de encontro numa padaria, 
peraí, 
agora é uma sapataria. E ontem foi uma pastelaria. 
Piso minha chineleta numa borda da calçada 
- que só calçou encontros de amantes e turistas. 
O pirulito da referência: 
Rua da Carioca.

Talvez jamais tenha havido uma carioca tão estrangeira. Com cuidado pulava da calçada para a rua, ainda não pavimentada pelo cimento, e com cuidado se lembrou quantas vezes já virou seu pé nesses bloquinhos de pedra causadores de lesões de amor. Por estar distraída, claro.



http://www.flickr.com/photos/paisagemgrafica/5041632707/

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Luto ou Melancolia?



Silvia não viveu o luto. Viveu melancolia. Não sofreu a perda do homem amado; perdeu tudo o que ele também representava e trazia para sua vida. O luto, diferente da melancolia, é respeitado pela sociedade porque é tido como passageiro, dizia sua mãe psiquiatra. É um mal necessário para nos desligarmos do que não fará mais parte de nós.

Seu amor era infinito e sem medidas. Passava dias se isolando, marcando encontros secretos com amantes do passado em seus pensamentos. Na tentativa vã de fugir do sofrimento.

- Como amei!, pensava.
- Como ainda amo! sofria...

Dizem que o amor dura para sempre. Eu ainda amo muito e ao repetir isso no escuro meus olhos ficam molhados. Por que não te esqueço? Superei, eu sei. Mas por que dia e noite você invade meus pensamentos e sonhos? Será que você pensa em mim de forma serena? Será que eu ainda habito seus sonhos? Você tem raiva? Deseja voltar atrás? Mudar o que vivemos? Não viver o que aprendemos?

E assim Silvia preenchia seus dias melancólicos, pensando e repensando seus amores passados. E quanto mais o fazia, mais se afundava na melancolia.