"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"
O livro dá solidão
Capítulo 1 - Capitólio
Acorda.
Sente a solidão.
Ela está no teto, no móvel que nem você mesmo lembra para quê serve.
Sente a coberta.
Vá tateando cada dobradura para entender que está assim porque você nela dormiu a noite toda, relembre o porquê você está aqui, o dia da semana.
E o que aconteceu mesmo? Ah, vivi mais um sonho.
E aí? Estava tudo escuro.
Você nunca começou seus sonhos com temporalidade. Sim.
Não há algo de errado nisso? Por quê haveria?
Se os sonhos são tão irreais, porque você não os conta como se fossem fábulas. Do estilo "Era uma vez..."?