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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Jogos Mentais (ou A Culpa é da Tramontina)



Linda, porém pouco talentosa pra a carreira que queria em seguir. Cisma pura. E pra completar, ainda era complexada quando se tratava de amor e sexo. Fora abusada quando criança e embora isso não tivesse impedido que se relacionasse com homens, acabou elegendo as carícias femininas as suas preferidas.


A falta de liberdade homossexual trazia certa amargura. E pro seu infortúnio, estava completamente apaixonada pela colega de trabalho mais velha, que de complexada não tinha nada, e ainda era um furacão na cama. Não sabia se assumia sua preferência ou comprava um jogo de panelas novo. O velho dilema.


No meio da confusão se envolveu com um sujeito macho. Muito mais pelo seu olhar doce do que pelo membro intumescido que a penetraria durante o relacionamento. Sensível, ele acabou se apaixonando e a moça – apesar de ter descoberto o sexo hetero com o rapaz – tinha certeza que preferia os beijos doces e o roçar macio das meninas.


Quando saía dos braços apaixonantes da mulher amada, sentia um misto de culpa e insatisfação social, que a levava a procurar o abraço mais forte. Só que imediatamente se arrependia e agia de forma estranha, pro desespero do rapaz enamorado. Ele, por outro lado, investia calado (esperto!), torcendo pra que ela lhe desse uma chance de mostrar que podia amar e ser amada sem complexos.


Até que ela escolheu assumir o namoro com o mancebo, sofrendo calada as saudades crescentes da amante preterida. O tempo passou e o rapaz recebeu uma oportunidade de emprego em Nova Iorque. Mudou-se com ele de mala e cuia pra viver o sonho americano, com casa, carro e dinheiro no bolso.


Foram felizes por um tempo e o casamento chegou ao fim juntamente com a mudança de volta à Pátria Amada. O tesão deu lugar à mesmice e não havia espaço pra amizade. Não tinham nada em comum. Nada. Voltou ao Brasil pra a vida de outrora: casa da avó com a mãe e suas neuroses. A falta de objetivo a empurrou pra a boemia. Tentava afogar nos copos a preferência por mulheres, o casamento fracassado e a dependência da família.


Não demorou muito e a insatisfação voltou contra o próprio corpo. Se achava gorda, além de inútil, e foi um pulo pra se enfiar em anfetaminas. Passava um pouco dos 30, mas tinha cara de menina, a pele aveludada e olhos amendoados. Logo arrumou outro namorado.


Moço rico, de família nobre da Zona Sul do Rio de Janeiro. Herdeiro e disposto a ter mulher e filhos pra acobertar suas orgias homéricas nos inferninhos de Copacabana. Só que a morena de olhos amendoados também gostava de uma festa e não demorou muito pra cair na esbórnia com o pretendente e seus amigos.


Ele a convencia facilmente a ficar em casa: jantares sedutores, jóias caras e muita birita de qualidade mantinham a jovem de boca calada. Somando-se parcelas generosas de seu coquetel de bolinhas pra segurar o apetite e uma boa série de TV americana e a noite estava garantida. O herdeiro deixava a mocinha em casa e partia pra bagunça.


Apesar de contrariada ela aceitava tudo de boca fechada: estava satisfeita com sua vida de aspirante a dondoca. Ele reforçava os mimos toda vez que exagerava na dose: mais presentes, mais jantares. E até presenteava a família dela, pra que a moça não reclamasse do pouco contato que nutriam. O tempo passou e juntaram os trapos, festas, jantares, jóias, orgias e bolinhas.


Na ilusão individual de cada um, tudo daria certo. Ela teria um marido companheiro e ele uma esposa submissa. Foi quando ao final do terceiro mês a surpresa aconteceu. Sonhando com a tal mulherzinha dedicada, o maridinho chegou em casa com um pequeno enxoval, adquirido em uma aposta que ganhara no páreo da noite: talheres, jogo de chá e panelas.


Os olhos amendoados não gostaram nada do que estavam vendo. Como é que pode ele se meter num assunto tão específico? Ela queria decorar e comprar as coisas da casa! E queria panelas Tramontina! A vida inteira sempre soube que eram as melhores! A discussão começou branda e foi ficando feia, a ponto de voarem talheres pelo apartamento recém montado.


O sonho dourado desmoronava subitamente e não havia amor que salvasse o casal da maldição das panelas.

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