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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O Deus submerso

O ateísmo foi uma conquista árdua na vida de Mateus. Ao doze anos as fortes críticas ao cristianismo, religião ao qual fora imputado, começaram a surgir, sobretudo quando o vil sentimento de desamparo humano, chamado também de crise existencial dava murros em seu fígado. Aos quatorze decidiu: "Vou ser ateu". Mateus, de nome bíblico, mal sabia a confusão que em que se metera: as crises aumentaram acentuadamente por causa de simples dilemas, como o de rezar ou não antes de dormir, fazer ou não o sinal da cruz ao passar em frente ao cemitério, e principalmente deixar ou não de dizer a expressão "graças a Deus", pois tinha acabado de reconhecer sua dimensão.


Por volta dos vinte a expressão "graças a Deus" e outros dilemas não eram mais problemas, e até chegara a desprezar e qualificar as pessoas religiosas - não importasse a religião - como inferiores. Monumentais teorias ecoavam da boca de Mateus, de nome bíblico, acerca da não existencia de Deus. Muitas delas ele nem compreendia, mas se regozijava em repetir pois sentia um certo ar intelectual ao proferi-las. 


Aos quaresta e cinco, agora que começava a entender algumas das teorias sobre o ateísmo, dizia que não poderia afirmar que não acreditava, e também não poderia afirmar que acreditava em Deus, enfim, ficava em cima do muro. Debatia com mais cautela, e o fígado começava a apresentar alguns sinais estranhos, porém familiares. O desamparo e a existência já tinham cadeira cativa em sua razão.


Setenta e sete anos, Mateus, de nome bíblico, observava o bisneto Pedro, também de nome bíblico, em seu colo sentado enquanto pronunciava "fofô". Com olhos marejados, por um instante pensou que Deus poderia existir, em algum lugar e não necessariamente no céu. "É uma dádiva, é uma dádiva!" exclamava para si recobrindo a soberba de cinquenta anos atrás. 


No leito de morte, oitenta e seis anos, Mateus, quase sem nome, sem corpo - sem fé? Quando seu bisneto Pedro, o de nome bíblico, aos doze anos e pensativo sobre o desamparo e a existência, entrou para dar, sem saber, adeus ao avó, chocou-se com cena. Mateus balbuciara com a voz rouca algo inaudível para Pedro, e este entendeu que era para se aproximar. Não ouveram úlitmas palavras, mas apenas um gesto, quando por fim, o fígado parou de apurrinhar: entre sua mão e a do bisneto, jazia comprimida uma pequena medalha de ouro com a foto de Jesus menino atrelada a uma fina corrente. Segundo a familia o cordão fora obtido no batizado do bisavó, quando ele contava os seis meses de idade e não pensava em nada.

Pedro, de nome bíblico, era ateu,  mas carregava no peito uma medalha de Jesus menino quando me contou essa história.

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